Tel Aviv observa com preocupação como a população egípcia está a ponto de derrubar seu principal aliado regional.
Durante mais de 20 anos, Israel não teve que preocupar-se com seus vizinhos do sul. Depois dos Acordos de Camp David de 1978, nos quais Tel Aviv firmou a paz com o Cairo, os egípcios tornaram-se seu melhor aliado regional, um país que, ao invés de ameaçar-lhe, lhe ajudava a enfrentar grupos armados como o Hamas ou o Hezbolah com um ímpeto impensável em qualquer outro país árabe.
Não só compartilhavam Inteligência ou concordavam em permitir que barcos israelenses patrulhassem o canal de Suez: fecharam a faixa de Gaza do lado egípcio, seguindo as instruções do Estado hebreu e condenando assim a população de Gaza à miséria, boicotando qualquer tentativa de reconstrução. Inclusive, instalaram um muro subterrâneo de aço para tentar impedir – sem êxito – que os palestinos se abastecessem mediante o contrabando dos túneis.
Hosni Mubarak e seu atual vice-presidente, o chefe de espiões Omar Suleiman, se converteram no melhor sócio que podiam imaginar. Daí o pânico dramático que invade hoje aos israelenses enquanto assistem às últimas horas de seu único aliado regional junto à Jordânia.
Para Israel, Egito é o maior sócio estratégico depois dos Estados Unidos. O país tem contado com Mubarak para isolar ao Hamas, o movimento islâmico no poder na Faixa de Gaza, boicotado pela comunidade internacional e abandonado pelos árabes após ganhar as eleições de 2006; também para prender aos militantes do Hezbolah que tratavam de atuar desde o território egípcio. Tem sido o melhor aliado na particular batalha israelense contra a Síria e o Irã: o Cairo disputa com Riad (cidade da Arábia Saudita) a liderança sunita regional, e como tal está em desacordo com os xiitas no poder daqueles dois países. E há décadas tem sido usado para financiar a liquidação dos islâmicos que atentaram contra turistas, que mataram ao anterior presidente, Anuar al Sadat, precisamente por firmar a paz com Israel e que rechaçam sobre todas as coisas ao Estado hebreu.
O Egito havia se consagrado como um baluarte imprescindível em meio a um entorno hostil. Por isso Israel tenha muito a perder nesta primavera árabe que tanto entusiasma a meio mundo. “De pronto, Israel se vê na posição mais perigosa que já esteve desde 1948 (data da criação de seu Estado)â€, explica ao Periodismo Humano Nicholas Noe, diretor do serviço de traduções árabes Mideastwire e autor do livro A voz do Hezbolah. “Ao seu redor está florescendo uma série de atores não oficiais, de movimentos e de situações opostas à política de Israel e, inclusive, à sua mera existênciaâ€. A consequência do que ocorre no Egito é que Israel será menos segura e menos estávelâ€.
Para minimizar este risco, no fim de semana passado Tel Aviv enviou cartas rapidamente ainda que de forma desesperada. Segundo o diário Haaretz, o Ministério de Assuntos Exteriores israelense pediu, no sábado passado, a seus embaixadores nos EUA, Canadá, China, Rússia e vários países europeus que pressionem às autoridades de seus respectivos países ressaltando a importância que tem para Israel manter o regime autocrático de Mubarak, mesmo que pese a seus 80 milhões de habitantes. O problema é que a população egípcia não atua em coordenação com o Ocidente: mas atua contra e apesar das políticas do Ocidente, que tem protegido a ditadores como Mubarak apesar das violações flagrantes dos Direitos Humanos que seus sistemas incorrem só para manter seus interesses.
“Não é só o Egito. Na Jordânia, os Irmãos Muçulmanos e os palestinos vão ganhar com esta situação, inclusive se não houver mudanças significativas Síria permanece estável e no Líbano está se formando um governo vinculado ao Hezbolah. De pronto, Israel está rodeado de agentes hostis. Muita coisa mudou desde a Conferência de Madrid, quando a maioria dos árabes foi favorável ao compromisso com Israel: 20 anos depois, a lógica mudou dramaticamenteâ€.
O primeiro ministro, Benjamim Netanyahu, afirma seguir os acontecimentos no país dos faraós com “vigilância e preocupaçãoâ€. O presidente Shimon Peres vai mais além, admitindo que “sempre tive e tenho um grande respeito pelo presidente Mubarak†e afirmando que “uma oligarquia fanática religiosa não é melhor que a falta de democraciaâ€. Com suas palavras insinua que a revolução egípcia tem como último objetivo instaurar um regime islâmico ao estilo iraniano – uma ameaça escutada nestes dias –, mas a realidade é que os Irmãos Muçulmanos, sunitas, só têm se somado às manifestações de maneira particular e que tem delegado a Mohamed El Baradei, Prêmio Nobel da Paz 2005, pouco suspeito de radicais islâmicos, toda negociação com o regime. Tudo faz indicar que El Baradei será o homem que liderará a transição egípcia.
Os Irmãos Muçulmanos, de grande peso na classe baixa egípcia, emitiram ontem um comunicado para esclarecer sua postura a respeito. “Esta revolução não tem nada em comum com o Irã. Egito nunca será como Irã. Respeitamos todos os acordos de paz firmados com todos os países do mundoâ€, disseram em referência aos acordos de paz com Israel. Egito, junto com a Jordânia, são os dois únicos países árabes que têm relações com o Estado hebreu, uma vez que a Mauritânia anulou seus acordos diplomáticos no início da ofensiva de 2008 contra Gaza. “Esta revolução é dos egípcios, de toda idade e condição, não dos Irmãos Muçulmanos. Nossos membros tem se somado como indivíduosâ€, recordam desde a organização islâmica egípcia
“A experiência em revoluções diz que nunca sabes o que vai sair delasâ€, opina Alastair Crooke, diretor do think tank (organização que produz pesquisas) libanês Foro para a Resolução de Conflitos, encarregado de aproximar pontos de vista entre o Ocidente e o Oriente. “A do Egito não tem por quê ser a revolução iranianaâ€, acrescentou. “Mas, sem dúvida, faz que Israel se sinta isolado. É uma mudança sem precedentes que fará que já não se sinta seguro porque o entorno de governos aliados e pró-ocidentais está mudandoâ€.
Crooke, mediador nos conflitos da Irlanda do Norte, África do Sul, Colômbia ou o do Oriente Próximo (1997-2003) e autor do livro Resistência: A essência da revolução islâmica, considera que os bombardeios israelenses contra Gaza em 2008 são um fator decisivo na hora de entender o mal estar dos protestos de rua egípcios. Mubarak não só não condenou a matança dos palestinos, mas fechou sua fronteira com a faixa durante toda a ofensiva, deixando passar com conta-gotas até mesmo aos médicos e impedindo que a população civil escapasse das bombas. “Os egípcios nunca aceitaram essa política. Aquelas imagens afetaram a todos os egípcios, salvo Mubarak. Isso é algo que terá que mudar tanto se permanecer o regime de Mubarak quanto se mudar: o novo governo terá que preocupar-se em resolver o impacto da Operação Chumbo Duro na populaçãoâ€.
É uma realidade que o povo egípcio não simpatiza com Israel, com quem travou quatro guerras desde a criação do Estado hebreu: em 1948, 1956, 1967 e 1973. Não podem mais que transitar pelos resorts turísticos do Sinai egípcio: em alguns deles os turistas israelenses não são admitidos. A isto soma-se que o mais provável líder de transição, Mohamed El Baradei, é observado com muito receio em Tel Aviv dado que, desde seu posto à frente da Organização Internacional para a Energia Atômica, denunciou com especial afinco a dupla medida internacional que levou a perseguir o Irã por suas pretensões nucleares e, ao mesmo tempo, nem sequer solicitava a Israel que seu programa atômico fosse supervisionado pelos inspetores de sua organização. Também foi contrário à invasão do Iraque.
Egito compartilha com Israel 250 quilômetros de fronteira em pleno deserto, que os agentes de Mubarak fecharam para impedir que a imigração africana afete a seu vizinho do norte. Além disso, seu Exército há anos concentra seus esforços em outras frentes: as milícias palestinas, especialmente em Gaza; as muito mais temíveis do Hezbolah na fronteira libanesa; Síria e Irã, seu mais sério inimigo.
Mas as preocupações de Israel não são só em matéria de segurança, se bem que estas são as mais importantes. Além disso, Israel importa 40% do gás natural que consome desde o Egito através da tubulação de gás Leste-Mediterrâneo, uma companhia israelense-egípcia. Ambos países firmaram em 2005 um contrato que mantém esta colaboração durante 20 anos. Ainda, os acordos de comércio bilaterais chegaram a mais de 500 milhões de dólares em 2010.
E isso não é o pior: se o contágio das manifestações a Jordânia terminar em eleições livres, os partidos islâmicos na oposição chegariam ao poder provavelmente desejosos de revisar as relações com o sócio israelense. E o monarca Abdallah II parece disposto a aceitar a qualquer coisa para garantir a sobrevivência da instituição.
Nenhuma mudança no Egito significa que os acordos de paz devem ser abolidos, nem que a revolução vai acabar com o status quo na Jordânia, enquanto outro está sendo exportado, mas o editorial do jornal Haaretz de ontem já solicitava ao Executivo israelense que mude a sua política para evitar ficar completamente isolado em uma região que lhe é hostil desde a sua fundação como Estado.
O jornal progressista indicava que Israel deve “preparar-se para uma nova ordem regional†e criticou Netanyahu por preferir “os tiranos que permanecem longos anos no poder†como “o mal menorâ€. Em vez de “refugiar-se no conhecido, no habitual onde ‘não tem ninguém com quem falar ou em quem confiarâ€, deve se adaptar a uma realidade em que os cidadãos dos Estados árabes, não apenas os tiranos, influenciam na trajetória de seus paísesâ€. Até o comentarista Sever Plock criticava, nas páginas do jornal direitista Yediot Ahronot, que “Israel é dominado pelo medo da democracia, não aqui mas em países vizinhosâ€, “apesar de nunca ter orado para os árabes se tornarem democracias neoliberais “.
02/02/2011
Mónica G. Prieto
Periodismo Humano
Fonte: Brasil de Fato
Nenhum comentário:
Postar um comentário