Afeganistão sem fim
Um artigo complexo. É o mínimo quando se fala do Afeganistão.
Os Estados Unidos estão empenhados na desesperada tentativa de sair do conflito. Uma guerra que gasta a opinião pública e os cofres americanos. E uma guerra perdida.
A opção militar já não é suficiente: até Washington abandonou a ideia de poder sair vitoriosa do conflito. Por isso, é necessária a diplomacia.
O problema é que tratar não é fácil: há muitas componentes em jogo e cada uma reclama um papel que não é possível ignorar. Não há só o Afeganistão: há o Paquistão, o Irão, a Rússia, a China, a Índia, a Nato, Al-Qaeda, os Talibãs, a guerrilha: todos estão envolvidos e ninguém pode assumir uma derrota.
A saída do Afeganistão passa por um delicado jogo de equilíbrio, uma "magia" talvez impossível de realizar.
No seguinte artigo de Limes, os principais pontos da questão.
As complexas perspectivas das negociações no Afeganistão
Como muitas vezes aconteceu na história dos últimos dois séculos, o Afeganistão está a propor-se no desconfortável papel de acelerador da mudança na geopolitica global.
A determinar esta situação não é tanto a importância das riquezas minerais do País, quanto o seu posicionamento e o facto das principais componentes étnico-religiosas manter relações com algumas das maiores potências do planeta, dando assim vida a um jogo complexo no qual todos estão a explorar os interlocutores.
Os Tadjiques e Hazaras olham juntos para o Irão, a Índia e Rússia; os Uzbeques para Moscovo, que treinou na década dos anos '80 o leader Radish Dostum, e para a Turquia.
Finalmente, uma parte importante dos Pashtuns olha com interesse para a Arábia Saudita, donde vêm a inspiração ideológica e recursos financeiros, e para o Paquistão, nas zonas tribais onde vivem milhões deles.
Os relacionamentos são bidireccionais. Por um lado, as principais facções locais falam com os potenciais "patrocinadores " estrangeiros para ganhar apoio, enquanto as potências mais ou menos fortes presentes na área aproveitam a oportunidade para conduzir no Afeganistão proxy war como dizem os anglo-saxões, guerras por procuração.
Os protagonistas mudaram ao longo das décadas, embora a dinâmica manteve-se basicamente inalterada.
No papel que foi da Grã-Bretanha, por exemplo, agora encontramos os Estados Unidos e os Países surgidos da dissolução do Império Britânico: a Índia e o Paquistão. Apareceu a China e a Rússia ficou enfraquecida. Mas os eixos vectoriais que condicionam a geopolítica local permaneceram os mesmos.
O que acontece no Afeganistão, por isso, muitas vezes tem um importante efeito sobre os equilíbrios globais. Pode ser verdade desta vez também.
Esta a razão da cautela com que é necessário examinar os rumores de que estão a aparecer nas últimas semanas sobre as negociações entre Washington e as autoridades de Cabul.
Todos os actores envolvidos, de facto, parecem ter disponível uma variedade de opções estratégicas que podem determinar evoluções operacionais alternativas.
As suspeitas do Paquistão
Ao que parece, tanto os Norte-Americanos como os Afegãos leais ao presidente Hamid Karzai, teriam iniciado conversações com os membros da Shura de Quetta (isso é, os herdeiros do regime talibã que governou o Afeganistão entre 1996 e 2001) e com os representantes da rede dos Haqqani.
Esta seria a tentativa racional para explorar as ampliar deferências existentes entre as duas grandes componentes da guerrilha, uma das quais, a rede Haqqani, estaria a usar o apoio da inteligência paquistanesa e a contribuição dos terroristas internacionais de Al Qaeda para interromper o domínio anteriormente detidas pelo guerrilha dos seguidores do Mullah Omar.
Nesta perspectiva, parece sugerir uma vontade dos EUA, talvez compartilhada até pelo establishment de Cabul, de cooptar no governo afegão pelo menos uma parte dos dirigentes históricos do movimento talibã, sem o Paquistão possa ter um papel.
E talvez até mesmo contra os interesses nacionais de Islamabad, pelo menos no sentido que tem os poderosos líderes militares paquistaneses.
O grande esforço militar pretendido pelo general David Petraeus acerca de Kandahar, neste sentido, serviria principalmente para suavizar o interlocutor, acrescentando um pau à cenoura representada pelo benefício que seria concedido através da mediação dos EUA na politica do Afeganistão.
Mas isso é realmente assim? E se assim for, qual a probabilidade de sucesso da estratégia adoptada por Washington, que Karzai aparentemente partilha?
A complexidade em decifrar os códigos de conduta orientadores da política afegã autoriza qualquer dúvida.
Tudo o que é possível fazer de momento é um exame racional da evidência que as partes envolvidas estão a deixar.
Contactos secretos
O Mullah Omar está no Paquistão, talvez em Quetta ou Karachi, não é claro se por causa das exigências ligadas à sua protecção, ou como um prisioneiro, ou ambos.
Seja qual for a sua condição, é certo que o líder histórico do partido armados do Taliban não é inteiramente livre.
Precisamente por isso o sigilo absoluto sobre a identidade dos emissários da guerrilha que em seu nome estariam em Cabul, eventualmente protegidos por tropas da Nato.
O temor é que a identificação dos plenipotenciários implicaria a subsequente eliminação deles em solo paquistanês e, claro, a descoberta das negociações por parte paquistanês.
Mesmo assim, poderia ser um dispositivo de vida curta, tendo a intelligence de Islamabad muitas antenas sensíveis no Afeganistão enquanto muitos dos funcionários do presidente afegão Karzai não são de confiança.
O projecto estaria em risco de falir, mesmo que politicamente racional e, de facto, o único viável com uma combinação de força militar e envolvimento diplomático.
Como parte destas negociações, é provável que os Americanos tenham imaginados a possibilidade de sacrifícios significativos.
Isso também é sugerido pelo facto de Washington ter excluído das conversas os seus aliados da Nato, mesmo ao conhecer a importância que os governos europeus atribuem aos objectivos ideológicos, como o estabelecimento do Estado de direito e a igualdade de género em todo o Afeganistão.
Objectivos que, provavelmente, serão os primeiros a ser colocados entre as concessões. A linha vermelha traçada pelo presidente Barack Obama seria, com efeito, outra: o rompimento dos laços entre os Talibãs e os terroristas de Al Qaeda.
Um resultado que poderia tranquilizar a Índia também e deveria ser garantido pela colocação dum número de tropas americanas em bases no Afeganistão após o fim das hostilidades.
Além disso, algumas aberturas nesse sentido já estaria presente: numa recente carta ao Congresso dos Estados Unidos, alegados emissários do Mullah Omar reafirmaram uma vez mais o facto do antigo regime deles não ter nada a ver com os acontecimentos do 11 de Setembro.
A quadratura do círculo
Entretanto, o que parece ser mais importante a salientar é outro factor: a solução desejada seria nada menos que a quadratura do círculo, isso é, uma vitória da guerrilha contextual a uma clara derrotar de Al Qaeda sem implicar qualquer aumento do poder dos militares paquistaneses.
A aparente tentativa de reconciliação de Obama com Nova Delhi, a maior novidade desses dias, deve ser lida na mesma óptica, assim como o convite da NATO para a Rússia voltar no Afeganistão para conduzir uma eficaz campanha anti-narcóticos conjunta.
Além dos militares em Islamabad e dos seus aliados chineses, a permanecer insatisfeitos nesse ponto seriam os Iranianos, que provavelmente não poderiam deixar de atrapalhar um processo de pacificação e de estabilização que tem em pouca atenção os seus interesses.
Mas esta é outra história, que talvez pudesse ser abordada numa negociação bilateral mais abrangente, até segreda, entre Washington e Teheran.
Não há dúvida, porém, que na pior da hipóteses, manter algumas tropas americanas em lugares pouco povoados do Afeganistão com função anti-iraniano e anti-jihadista, como de fato acontece no Iraque, poderia ser aceitável para o público americano e para os vários actores regionais com interesses em Cabul.
Fonte: Limes
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