O jornalista argentino Fernando Cibeira destacou a “associação estratégica integral” dos dois países e o distanciamento crescente entre Buenos Aires e Washington.
Em entrevista concedida a Sputnik, o jornalista argentino Fernando Cibeira, editor de Política do jornal “Página 12”, de Buenos Aires, e colunista do site El Destape, analisa os resultados da visita da Presidenta Cristina Kirchner a Moscou.
Sputnik – Para a Argentina, quais os resultados desta viagem?
Sputnik – Desde que foi submetida a sanções pelos Estados Unidos, Europa e outros países, a Rússia vem intensificando o seu relacionamento com os países das Américas Central e do Sul. O Brasil, por pertencer ao grupo BRICS, e a Argentina são considerados prioritários pelos russos dentre os países sul-americanos, além de, obviamente, a Venezuela. Como o senhor avalia este posicionamento do Governo russo?
Sputnik – Como a Argentina se posiciona ante as acusações que a Rússia tem recebido pelas tensões reinantes na Ucrânia?
A seguir, a íntegra da entrevista.
Sputnik – Qual a importância da recém-encerrada visita da Presidente Cristina Fernández de Kirchner a Moscou?
Fernando Cibeira – Essa visita é importante sob dois aspectos: pelos convênios firmados – são 20 no total, se somarmos os que foram assinados pelos ministros – e, sob o aspecto político, porque confirma o bom vínculo que a Presidenta Kirchner conseguiu criar com o Presidente Vladimir Putin durante esses anos de seu mandato. Isso se vê plasmado no acordo de “associação estratégica integral” que os dois países firmaram nesta visita. Para a Presidenta Kirchner, isso é uma resposta às críticas dos dirigentes opositores que sustentam que o governo da presidenta se isolou do resto do mundo durante esses anos, pelas deficiências da política exterior argentina.
FC – Há acordos importantes como o da construção da central hidrelétrica Chihuido, o da construção de uma nova central atômica e o da cooperação militar. A energia e a defesa são questões estratégicas para o Governo argentino. A presidenta observou especialmente as coincidências políticas, que têm a ver com o apoio russo à demanda argentina pelas Malvinas e contra os “fundos abutres”. Da mesma forma, a defesa da multilateralidade nas questões internacionais e a não ingerência dos países nas questões internas de outros países. Nestes dois pontos, embora não esteja taxativamente expresso, nota-se o distanciamento da política exterior dos Estados Unidos. À medida que se aproxima o fim de seu mandato, a Presidenta Cristina Kirchner mostra cada vez mais diferenças em relação ao Governo de Barack Obama, tal como se pôde ver na recente Cúpula das Américas, no Panamá.
Sputnik – Qual é, então, o nível atual das relações russo-argentinas?
FC – As duas delegações na Cúpula destacaram que, 130 anos depois de seu início, o atual nível das relações bilaterais é ótimo. Àquela recente visita de Putin a Buenos Aires, logo se seguiu uma visita de Cristina Kirchner a Moscou. Nos últimos anos, tornou-se notório o esforço da presidenta para afastar a Argentina de seu tradicional alinhamento, em matéria internacional, com os Estados Unidos e a União Europeia, para estimular uma aproximação com os países BRICS. A Argentina desejaria fazer parte deste bloco, que, à parte os problemas atuais das economias de seus países, abre um horizonte de possibilidades de associação melhores que as das decadentes realidades norte-americanas e europeias, que vão de crise em crise.
FC – É claro que este posicionamento é bom para a região, que necessita de novas alianças a partir da crise financeira mundial. Se olhamos para o Mercosul, vemos que em todo este tempo ele não conseguiu fechar um Tratado de Livre Comércio com a União Europeia, apesar das negociações de anos. Por isso, é muito boa essa aproximação tanto com a China como com a Rússia e seu interesse de fazer investimentos nos países da América do Sul. No nível político, os posicionamentos e em matéria internacional da China e da Rússia costumam ser mais parecidos com os que a região mantém a partir da chegada de vários governos de feição progressista. No caso argentino, esses países apoiam as posições da Argentina em relação às Malvinas e aos fundos abutres, coisa que os Estados Unidos e a Europa não fazem.
Sputnik – Em que medida esta ofensiva russa rumo às Américas pode ser entendida como uma reação à tradicional influência dos Estados Unidos nesta região?
FC – Na Chancelaria argentina, dizia-se, off the record, que na viagem de Cristina Kirchner a Moscou se escondia o desejo de enviar um novo sinal de independência política em relação aos Estados Unidos, quase um desafio às sanções aplicadas à Rússia e à influência que Washington sempre procurou ter sobre o continente americano. É evidente que muitos governos regionais já não veem em que poderiam se beneficiar ao manter um bom vínculo com os Estados Unidos enquanto entendem que podem manter uma relação proveitosa com a Rússia e com a China.
FC – Cristina Kirchner recebe muitas críticas por parte da oposição, devido a seus alinhamentos internacionais. Todos estão de acordo em que ela vai bem em suas participações nos organismos regionais, com o Mercosul e a Unasul, mas tal não acontece em relação ao vínculo com a Venezuela, o Equador e a Bolívia, países com governos de esquerda – ou “populistas”, com são agora chamados, muitas vezes de maneira depreciativa. O mesmo ocorre no caso russo: a oposição (principalmente a mídia que ecoa a posição oposicionista) sublinha, nestes dias, um suposto “isolamento” do Presidente Putin no mundo, devido à questão da Ucrânia – a mesma crítica que costumam fazer a Cristina.
Sputnik – Em que os demais países da região poderão se beneficiar desta maior aproximação entre Rússia e Argentina?
FC – Os outros países da região vão se considerar beneficiados por esta aproximação russa na medida em que ela proporcione vantagens econômicas. A região é rica em recursos naturais que podem ser beneficiados com a tecnologia mais avançada dominada pela Rússia. Para a Argentina, é fundamental a exploração das jazidas de óleo e gás de xisto de Vaca Muerta, e por isso precisa receber investimentos e tecnologia estrangeiros. Uma questão a ser resolvida é a sustentação desses alinhamentos internacionais em médio e longo prazo, se houver mudança na feição dos governos. No caso argentino, em que haverá eleições presidenciais em outubro, é uma verdadeira interrogação saber qual poderá ser a direção da nova política exterior.
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